Cuidado com as automações de tampa de privada!
Automações para sua empresa podem ser uma bênção...ou não.
Outro dia eu estava assistindo um Reels no Instagram, e passou uma pessoa toda feliz, que havia conseguido automatizar a abertura da tampa de sua privada com a Siri do seu iPhone. Então o processo que ela demonstrou foi:
Chegou no banheiro, pegou o celular;
Acionou a Siri pelo comando de voz e falou: “Siri, levante a tampa da privada”
Esperou por 3 ou quase 4 segundos para a tampa levantar
O processo todo demorou entre 6 e 7 segundos
Depois que eu meditei em choque pelo que tinha visto, percebi que isso não é tão incomum como parece. Muitas vezes queremos automatizar o que simplesmente não precisa ser automatizado. No caso da tampa da privada, não seria melhor simplesmente abrir a tampa da privada com a mão? A não ser que você esteja impossibilitado de fazê-lo, com certeza esperar entre 6 a 7 segundos para se aliviar quando está com pressa não é a melhor das experiências.
Em 2018, a Tesla precisava automatizar seus processos para garantir a entrega dos carros que havia prometido, mas depois de 2 anos sem sucesso, Ellon Musk, o CEO da Tesla, disse1:
Automação excessiva foi um erro. Nós subestimamos o fator humano
(tradução livre)
Automações e limitações
O ser humano deveria ser levado mais em consideração em três fatores principais quando se trata de automação de processos com IA:
Adaptação Inteligente - qualquer automação é necessariamente engessada em parâmetros. Mesmo que seja um chatBot com Agentes, que possam de forma “inteligente” decidir qual ação tomar, eles estão amarrados naquele contexto. Tarefas que demandam extrema adaptação, dificilmente serão automatizadas de forma eficiente.
Limitações Físicas Adaptativas - o ser humano foi criado por Deus com capacidades físicas únicas. A própria mão do ser humano é extremamente difícil de reproduzir num robô. A ciência ainda está a anos luz de distância de automações realmente humanoides. Enquanto isso, qualquer automação que dependa de uma adaptação física inteligente para a execução do trabalho, não terá a melhor performance do que um ser humano.
Fator humano - colocar drones para entregar comida pelo ar pode soar como uma ótima ideia, mas não passa do segundo teste oficial. Imagina drones entregando comida pelo Brasil…é triste dizer, mas infelizmente não daria certo. Veríamos muitas pessoas tentando destruir os drones a qualquer custo, e ficaria inviável. Alias, é por isso que as startups de aluguel de scooter motorizadas não deram certo - esqueceram do fator humano. O ser humano é naturalmente mau e egoísta. Vendo que tem uma oportunidade de passar a perna sem ser detectado, tem grandes chances de fazê-lo. Portanto, automações que não levam em conta estes fatores, com certeza não atingirão êxito no longo prazo.
Sem dúvida, assim como Ellon Musk assumiu no caso da Tesla, automatizar de forma excessiva pode resultar em processos pouco adaptáveis, o que nunca é bom para o seu negócio.
Qualquer tipo de automação deveria ter um fator de adaptabilidade, para não engessar processos de forma desnecessária
Automações com IA
As automações estão cada vez mais dependentes da inteligência artificial, o que por um lado é muito bom, mas pode também resultar e problemas. Gary Marcus, autor de best-sellers e professor de psicologia na NYU, é um crítico da deep learning, a técnica dominante em inteligência artificial atualmente. Ele acredita que o deep learning é superestimado e não resolve os principais desafios da IA, como a compreensão da linguagem e a inteligência geral. Marcus defende uma abordagem alternativa, inspirada na psicologia cognitiva, que é mais eficiente e menos dependente de grandes volumes de dados.2
Ele ressalta que existem vários fatores que, da forma como o deep learning está estabelecido hoje, terá muitos problemas para superar, e que eu coloco como barreiras a serem superadas para automações. Veja a imagem abaixo:
As automações de maior sucesso hoje que utilizam IA são as que não precisam se preocupar com estes 6 fatores, ou pelo menos se você minimizar cada um deles, os resultados serão mais efetivos. Nos casos abaixo, estou explicando automações referentes à agentes, que usam IA:
Percepção: automações deveriam conter um objetivo claro, sem precisar de ter uma percepção do contexto. Quanto maior a necessidade de percepção, maior o “delírio” na resposta.
Linguagem: use sempre linguagem clara na comunicação. Estude sobre engenharia de prompts para conseguir extrair os melhores resultados.
Raciocínio: não espere que a inteligência artificial vá raciocinar como você. Com o advento do o1 preview da OpenAI (e futuros modelos similares), a IA está com um “raciocínio” melhor, mas não se compara com o que é um raciocínio inteligente do ser humano.
Analogia: caso queria automações realmente inteligentes, seja explícito nas analogias, pois a AI só consegue referência-las pelo que foi treinada, e pode não ser a forma correta como você espera.
Planejamento: assim como no raciocínio, não espere um planejamento da forma como você pensa. Seja explícito para uma IA afim de conseguir os melhores resultados
Senso Comum: senso comum pode variar de cultura para cultura, dependendo de muitos fatores, e pode ser um fator de barreira para você conseguir os melhores resultados.
Estes são apenas alguns fatores que podem interferir em automações que utilizam inteligência artificial. Automação por si só já depende de variáveis muito bem definidas, mas quando colocamos a IA no meio do processo, devemos ter um cuidado extra.
Veja a imagem abaixo de uma IA classificando a imagem do famoso jogador de Golf, Tiger Woods, como:
95% Tiger Woods
4% bola de golf
1% Angelina Jolie
Portanto, vamos para alguns exemplos de automações de “privada” e algumas automações boas:
Automações de “Privada”
Automação de resposta de email: colocar uma automação com IA para responder emails de clientes pode parecer uma ideia muito boa, mas no final você terá enchido a caixa de email dos seus clientes com respostas que não foram avaliadas, e que você pode estar se comprometendo com assuntos e problemas complexos. Prefira uma automação que classifique emails, e que depois você possa lê-los e responder. Não tem problema a automação criar um rascunho como resposta para você avaliar, mas nunca enviar o email para você.
Sistemas de chatBot com muitas opções: é mais fácil você deixar seu cliente com raiva do seu menu e acabar se perdendo do que facilitar a vida. Prefira uma das duas coisas:
Menus simples com poucas opções
chatBot com agente, que através da pergunta ele vai direcionar a resposta, sem menu. Ou se apresentar menu, é em poucas partes do processo.
Automações de processos simples: assim como na história da tampa da privada, não tente automatizar tarefas muito simples, ou que não tomam muito tempo do seu colaborador. Comece por tarefas complexas, repetitivas e que estejam sistematizadas.
Automações boas para ganhar tempo e dinheiro
Tarefas repetitivas e complexas: quanto mais tarefas complexas e repetitivas você automatizar, e que não dependam muito dos fatores humanos citados neste artigo, melhor será seu resultado.
Exemplo 1: extração de informações de documentos complexos
Exemplo 2: classificação de documentos para análise posterior
Exemplo 3: criação de contratos
Integração de sistemas: é normal uma empresa ter entre 4 a 6 aplicativos onde os colaboradores interagem. Ter um Hub centralizado, onde as informações chegam, são processadas e resumidas, é uma automação bem útil. Imagina o CEO de uma empresa receber as principais “notícias” e indicadores do que foi realizado no dia.
Como evitar automações de “privada” - resumo:
Análise de Necessidade: Antes de automatizar, avalie se a tarefa realmente requer automação. Pergunte se isso irá economizar tempo ou recursos.
Simplicidade é a Chave: A solução automatizada deve ser mais simples e eficiente do que o processo manual. Não adianta nada automatizar e depois o usuário ter mais trabalho revisando o que foi feito.
Foco no Usuário: Considere a experiência do usuário final. A automação deve melhorar, não dificultar, a interação.
Custo-Benefício: Avalie se o investimento em automação trará retorno significativo em comparação com a solução atual.
Flexibilidade: As automações devem ser adaptáveis a mudanças futuras, evitando a necessidade de reconstrução total do sistema.
A tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas deve ser usada com sabedoria. As automações de privada servem como um lembrete de que nem toda inovação é sinônimo de melhoria. Ao focar em soluções que realmente agregam valor e simplificam processos, podemos aproveitar o melhor que a automação tem a oferecer, aumentando a eficiência sem sacrificar a simplicidade.
Lembre-se de que a automação deve servir às pessoas, e não o contrário. Ao implementar novas tecnologias, mantenha o objetivo em mente: tornar a vida e o trabalho mais fáceis e produtivos. Evite cair na armadilha das automações desnecessárias e concentre-se no que realmente importa.
Frase em inglês: “excessive automation was a mistake” and that “humans are underrated”.
Leia a entrevista que ele deu para o The Verge: https://techcrunch.com/2017/04/01/discussing-the-limits-of-artificial-intelligence/